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quinta-feira, agosto 24, 2006

As Coisas Simples


Como se esquece – nas esquinas do medo – o quanto as voltas e laços da vida são femininas… generosas, ternas, embevecidas… simples…

Nos claustros da mente reina um velho triste, cinzento e só…
Rei dos seus nadas, espalha a dor do seu reino, expande o Inverno do seu coração encerrado.

Nos labirintos de retóricas vãs se diverte e encanta – e assim deixa minguar os seus dias – por detrás das grades que o protegem é prisioneiro do seu próprio drama…

E – lá fora – vão e vêm fadas sem nome.
Criaturas de pés descalços em clareiras de luar, jovens de risos claros ecoando como águas de regato – cristalinas – entre as vertentes de montanhas altas como tronos.
Livres dançam nos postes de Maio, flores novas nos cabelos soltos, olhares de luz encantados pelos rostos também jovens de jovens que se cortejam – vermelhas maçãs nos rostos da vida que se sente e se vive… não se imagina nem se define.

E o velho olha desde a sua janela – gotas das chuvas de outroras já idos, pendentes num eterno aceno – sem nunca se estatelar no chão. Gelo no seu vitral, gelo…

E o tom ríspido dos seus modos apenas encontra os risos sinceros do outro lado dos seus muros pétreos, dos seus corredores obscuros e apertados, do peso opulento de mofo e pó das suas maneiras, as suas rotinas, os seus modos sempre mesmos.

E fica-se – olhando… como se houvera uma vontade sem forma – lá muito dentro. Uma luzinha remota perdida nos tempos – que ele mastiga como um pedaço de bife mastigado pelos anos, sem nunca o ter engolido ou cuspido… e mastiga e mastiga, sem lhe dar destino… e ali fica…

Até que o desdém – vem – e o arrebata.
E as portas de Inverno se abrem de par em par – sopradas por uma fúria de dor contida; e os ginetes de sombra se esvaem entre as ladeiras, procurando aqueles que sorriem com vozes claras cantando, com braços abertos se abraçando – ignorantes da vastidão de sombras que sobre eles se abate, inocentes do juízo que sobre eles ditou a condena perpétua – oblívio pelos tempos e as histórias dos copistas, ódio pelos misóginos e esdrúxulos amantes de deuses encadeados, horror pelas fogueiras de Belthane transformadas em inquisição – de purificadoras de espíritos e unificadores da paixão, se fizeram sentenças de celeumas contra a própria força da criação.

E os costumes simples se fizeram direito romano e canónico. E as vestes folgadas e os seios descobertos foram vestidos em soutanas, hábitos e aspaventos…

E perdemos… perdemos… tudo, menos este momento. No que evocamos de novo o passado longínquo no qual fomos livres – e livres seremos.

Não tarda que Roma caia. Não tarda…

2 comentários:

Micas disse...

Fiquei aqui a ler, em silêncio...
Consegui visualizar, diria até, consegui sentir toda a alegria e sentimento da celebração de Belthane descrita por ti.
Depois desta brisa primaveril que se sente a navegar na pele, o poema fica denso e profundo, não deixando por isso de ser menos belo, mas apelando à reflexão...
Só te posso dizer que adorei.

Micas disse...

Ainda que diferentes e cada um no seu estilo tão pessoal, os teus textos e poemas remetem-me a este blog; http://www.bloguedonada.blogspot.com/