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quinta-feira, setembro 07, 2006

Os Três Desejos

O génio olhava com seu ar altivo, desde o cimo da nuvem evanescente, enquanto o pobre Aladino cogitava sobre os desejos de que gostaria ver cumpridos…

Sentiu – sentiu bem fundo – e viu a sua solidão… sozinho lá na cova dos quarenta ladrões…
Sentiu – sentiu bem à flor da pele – a dor fina que se entranhava nos tecidos como agulha entre feridas laminadas curadas a álcool 97% - a necessidade de ser tocado, de ter calor, de se perder em outros braços que não aqueles que o abraçavam em noites frias até descobrir que eram os seus próprios braços que lutavam o gêlo…

“Quero uma mulher”– disse ao génio…

O tal ente riu para os seus meandros – e questionou:

“Queres realmente o que me pedes?”

Aladino disse tremendo: “-S-sim”…

“Abracadabra!”… o génio fez o seu passe de magia e desvaneceu no ar.

Em seu lugar – entre a névoa que se esvaia – foi surgindo uma imagem. Aladino olhava… entre o ansioso e o agitado – enquanto surgia… um tornezelo escanzelado, uma anca emagrecida, um ventre mirrado, um peito seco e desgastado, um cabelo fino e frágil, um olhar gasto pelo sol…

“Por Alá! Que feitiçaria é esta?”
Olhando em redor – a mulher logo reparou em Aladino – que não terminava de crer naquilo que via perante os seus olhos… como se fosse uma triste jogada do destino:

“Fome… tu ser bom para comer?...”

“B-bem… eu… s-sou… Ninguém!”

E – sentindo-se completamente perdido, Aladino desatou a correr pelas areias do deserto, até deixar atrás a entrada da sua cova e a companhia solitária dos seus quarenta Ladrões.

Procurou algo de conforto numa aldeia próxima.
Como era alguém inteligente e algo simpático, logo conseguiu emprego numa das lojas de especiarias que serviam as caravanas na sua passagem rumo a Medina.
Mas – cedo se cansou da rotina – as horas eram iguais aos dias, os dias parecidos aos meses, as gentes iguais aos anos… sempre as mesmas.

Um dia, ao entrar no seu quarto (como era parecida aquela mesma entrada à entrada que lá estava ontem, como era igual o que nela passava…), só e cansado da rotina – frustrado com a sua vida rodando em círculos - deu um pontapé num baú à beira da sua porta. Tombando no chão - suas magras pertenças expondo - esparramadas pelo chão do quarto. Entre elas, o brilho do bronze velho despertou o seu interesse…
Lá estava a lâmpada mágica, lá estava a porta para que o seu mundo mudasse…

É claro que Aladino – desde a sua última experiência com o génio – ficara descrente dos poderes da lâmpada para lhe oferecer algo que ele realmente pudesse sentir como magnífico.

Mas – nesta pasmaceira, neste túmulo de rotinas diárias que levavam ao mesmo balcão, às mesmas pessoas que levantavam às mesmas horas, faziam as mesmas coisas todos os dias e deitavam às mesmas horas, que nunca viajavam como as gentes das caravanas ou faziam algo que fosse diferente, Aladino já não se importava se o Génio lhe oferecia algo que o assustasse como o fizera outrora.

Esfregou a lâmpada e – o génio – devagarinho, lá se foi materializando.
Parecia algo contrafeito desta vez, como se desperto de um sono prazenteiro por um oportunista indesejado, mas – cumprindo o seu dever – lá se prontificou para realizar o desejo do necessitado.

“Quero uma mulher que seja interessante.”

O génio – com olhar compadecido – olhou para Aladino com um certo ar de “Oh céus – por favor – outra vez?!?!”…

“Tens a certeza que é isso que desejas?”

Aladino, tremeu e disse “Sim”…

“Seja”

O génio desmaterializou-se e – enquanto o fumo se esvaia – logo ao longe aparecia uma caravana trazendo uma carroça coberta de tecidos finos e cores garridas.

Aladino – com a “mosca atrás da orelha”, lá se ficou – braços em jarra – esperando pela comitiva.
Todos na companhia falavam em altas vozes (coisa que inquietou o nosso herói).
A que mais alto falava era uma mulher – em vestes de seda e ouros por toda a parte.

Aladino não lhe achou muito interesse de início (não fosse pelas altas gargalhadas e pelo aparente à vontade que desprendia a insólita senhora).

Ela logo se abeirou, puxando conversa. Aladino ficou sabendo dos seus múltiplos périplos por terras de aquém e além mar. Ficou extasiado com os seus romances e aventuras mil.
Xerazade (este era o nome da nossa jóia) era casada com um Sultão que – outrora – a quisera matar (sabe-se lá por que despropósito).
Agora – Xerazade viajava para ganhar experiências novas com as que entreter o seu Sultão (ainda que Aladino começava a sentir que - o que o Sultão fazia agora - era pagar para ter a tal Xerazade bem longe).

Aladino contou acerca da sua vida na cova – Xerazade achou o máximo – tão “chique” e fantástico.
Disse que era “inovador” e “ousado” (Aladino pensou que seriam termos novos para “fome” e “necessidade”, mas não a quês interromper – ainda que, mesmo que tentasse, não me parece que tivesse tido sorte).


Ela mesma conhecera um “Guru” (Aladino já se começava a perder entre tanto estrangeirismo) que habitava um “Ashram” algures nas montanhas e que fazia não sei quê Yoga e que era “Tan-“ qualquer coisa e que… (neste momento Aladino já desligara o gravador, de tanta diarreia mental que vinha a despropósito da incombustível Xerazade).

Como se a coisa não fosse a nenhures (e Aladino já começasse com o típico “Ah… bem… sim… p-parece hora de v-voltar para casa… hum… ahm… hora dos morangos com a-açúcar – s-sabes?”), Xerazade disse que um ser tão espiritual como Aladino deveria conhecer as artes “Tântricas” para melhor fluir a sua “Kundalini” e assim ouvir, sentir e ser “Nirvana” (Aladino ainda esteve para lhe perguntar se o tal Nirvana não era alguma música estranha estilo “Dervixe” – mas como era a única palavra esquisita que conhecia decidiu não arriscar, não fosse fazer figura de parvo frente a tal espavento colorido de emoções acavaladas em pensamentos).

Deitado na cama, com as pernas no lugar dos braços, e os braços no lugar das pernas, com a língua no nariz e Xerazade esparramada sobre ele – Aladino decididamente sentiu-se como o último rebuçado na vitrina da única pastelaria da aldeia das crianças…

Quando ela se levantou para ir à casa de banho – anunciando que tinha sido uma vigésima tentativa interessante e que poderiam manter os próximos meses de prática até que a “Energia” “Fluísse” sem “Miasmas”, Aladino – conforme o seu motto (esta foi do tradutor) de vida “Quanto mais rápido mais longe, quanto mais força mais rápido”, esfumou-se imitando o nosso génio da lâmpada.

Correu, correu, correu… até já não mais sentir vida no seu corpo inerte.

Quando despertou estava sobre uma rocha. O dia findava, o Sol punha-se sobre as palmeiras, havia apenas o som da brisa nas suas folhas e uma expectação contida no ar - ao mesmo tempo que o sol se aproximava do seu ocaso, da sua linha final, do seu entregar à terra para renascer outro, num outro dia diferente.

Aladino sentiu as costas aquecer na pedra, sentiu a dor dissolver no ar soprando suavemente, sentiu o seu pensamento escoar na brisa que passava, sentiu seu coração embalado no doce e morno sentir do sol que se esvaia…

Envolto – como de novo no ventre materno – por toda esta natureza foi deslizando, esquecendo ser ele, esquecendo as suas necessidades e desejos, esquecendo sequer pensar, sentir…

O Sol esvaía-se enquanto ele era felicidade.

“Isto é mais do que eu poderia desejar… isto é tudo o que eu quero” – escapou-lhe em voz calma e serena, deitado sobre a rocha morna, sentindo-se parte de tudo, tudo o que sempre sentira em falta nesse momento era nada…

“Concedido” – ouviu-se uma voz dizer.
Enquanto Aladino se virava – assustado pela voz – sua veias gelaram, sua pele endureceu, seus olhos se apagaram ao mesmo tempo que o Sol desaparecia no horizonte.

Ficou apenas uma rocha – que parecia a forma de um homem contemplando o Sol pôr…

Sempre que passam turistas, os guias explicam a história de Aladino e a sua lâmpada dos desejos.

Eu vi o génio um dia – vi o seu olhar de ironia - enquanto esculpia, na pedra fria, uma frase que lá perdura:

Os desejos dos homens são loucuras, o fim das loucuras é sono eterno

Vi como se levantava, como se esticava – como que remexendo uma enorme preguiça de dentro de sí.
Vi como se esvaia em névoa – sua gargalhada ecoando na pedra.

Primeiro transformado em mulher de vestes ostentosas e sedas de cores garridas, depois numa outra mirrada e seca, finalmente num espelho de prata que se ficou flutuando sobre a bruma da manhã até ser poça de água no solo árido do deserto.


Eu – que já conhecia a história – fiquei-me entre os arbustos, esperando que a próxima caravana de turistas passa-se para ver a inédita pedra de Aladino. Hoje teriam uma surpresa se olhassem de perto… ou mais, se olhassem no espelho cobiçando a água entre o deserto da vida….

5 comentários:

AnaGarrett disse...

Gostei mesmo mas a parte dos Morangos com acucar é que não era necessária.

;-)

Micas disse...

Gostei imenso de mais este texto de reflexão, mesmo daquela parte dos tais "Morangos" que não conheço mas que ouço toda a gente falar!
“Os desejos dos homens são loucuras, o fim das loucuras é sono eterno".
Talvez!! no fundo todos ansiamos pela Paz de espirito eternamente, mas temos um caminho a fazer e eu acredito que no fundo todos temos que ter um pouco de loucos só assim somos inteiros e, a vida tem que ter a sua dose de loucura para ser verdadeira, embora muita gente não consiga fazer a distinção entre loucura e inveja/egoismo/ostentação/mentira/etc, daí que viva morto...
Abraço apertado e bom fim de semana

AnaGarrett disse...

Não mencionaste a versão de Artur do Stephen Lawhead.
Talvez seja a melhor.
São cinco fantásticos livros.
Taliesin
Merlin
Pendragon
Artur
Avalon, se não me falha a memória.

Beijos

Lord of Erewhon disse...

É avisado não confiar em Génios...

Simbelmune disse...

Indeed Senhor de Nowhere