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quarta-feira, fevereiro 07, 2007

Onde está a questão?



Nestes tempos não se fala de outra coisa – referendo.
Para dissipar desde já qualquer dúvida: este texto não pretende ser a apologia de nenhuma corrente pró “Sim” ou “Não”.

Quanto mais falo com pessoas, expondo a minha visão das coisas e ouvindo a sua, noto que tanto os que defendem o “Sim” como o “Não” pretendem o mesmo.
Dito de outro modo: os partidários do “Sim” não pretendem que a vida em termos legislativos seja posta em causa e os partidários do “Não” não pretendem o castigo das mulheres que recorreram ao aborto…

Então, onde estará o atrito?...

Vamos por partes.
Uma primeira questão relaciona-se com aquilo que se considera “desenvolvimento”. Isto porque, de forma mais ou menos constante, invocam-se as estatísticas, dados e observações subjectivas acerca dos “países desenvolvidos” para qualificar e inflacionar o nosso “atraso”.


É um orgulho estar num país onde não se exige pena de morte, contemplando alguma esperança no ser humano em vez de lhe atribuir uma sentença de castigo que o impeça de poder aprender dos seus erros. Acho esta uma das características do “desenvolvimento” do povo português em claro contraste com outros estados “não desenvolvidos” e sem liberdade, por muito grandes que sejam as estátuas em nome da dita cuja.
É bom sentir que ainda há muito do “Portugal profundo”, onde os familiares cuidam dos seus idosos com qualidade em vez de os internar em instituições próprias. É bom ser-se assim de desenvolvido.
Lembro um distrito de uma das nações mais desenvolvidas do mundo - Timor Leste – onde, em plena montanha isolada as pessoas me davam o bom dia, sorriam, convidavam-me para entrar na cabana de folhas de palma e a comer arroz branco e comparo-os com um pais com fraco desenvolvimento onde se pode olhar os portões do palácio de Buckingham mas não o ser olhado nos olhos entre a multidão que passa, sem um sorriso, sem um “Olá”, muito menos ser convidado nem que seja a uma tosta...
É bom ver o que "desenvolvido" significa.

Sendo nós um dos países mais "desenvolvidos", poderíamos recorrer à originalidade que nos caracteriza e, em vez do carreirismo a que nos condenam os líderes que a democracia impõe, exigirmos algo de responsabilidade e trabalho a sério para representar os reais interesses dos portugueses.

Desde o último referendo, o único que mudou foi a letra da pergunta que compõe o mesmo.
Não se viu a famosa educação sexual nos estabelecimentos de ensino, vimos recortes nos programas de planeamento familiar, assistimos ao descambar do serviço público de saúde, notamos o “alto” investimento no apoio à mulher e criança (sobretudo as de risco), vimos estratégias sólidas de suporte a uma saúde sexual e reprodutiva com qualidade…

Sinceramente… sejamos responsáveis!
Se eles não fazem nada, nós pelo menos não devíamos de encarrilar tão depressa pelas soluções fáceis sem ter garantias de que tudo o resto está a ser feito.

Mais do que um voto, mais do que um papelzinho na caixinha da desresponsabilização, o que precisávamos era de pedir aos senhores da política - que mudam de poleiro como quem muda de camisa - que trabalhem.
Que, em vez de zelar pelas percentagens de voto, pela sua figura mediática, pelos interesses do partido, zelem mas é pelo bem estar dos portugueses.
Quem, em vez de procurar lavar as mãos de decisões polémicas que possam perder votos da maioria conservadora deste país ou em vez de teimarem nas soluções simplistas, se esforcem por uma verdadeira promoção da qualidade de vida.

Atacar estes ou aqueles, alinhando nesta ou naquela posição, apenas divide os portugueses.
No fundo, todos pretendemos o mesmo.
A questão é que, as circunstâncias são-nos apresentadas de forma a que tenhamos que escolher ou boi ou vaca… mas não aquilo que todos queremos.

Eu não quero pôr em causa a vida.
Eu não quero condenar mulheres.
Eu não quero votar nem “sim” nem “não”.



Quero verdadeira educação sexual nas escolas.



Gostava de ver espaços de partilha nos meios de comunicação social, nos quais se convidasse os pais a serem os meios privilegiados de suporte à formação escolar na área da sexualidade.



Quero um sistema de saúde que sirva a todos em termos de ginecologia, obstetrícia e urologia – sem necessidade de encaminhamentos privados para os que podem e clandestinidade para os que não.
Quero um sistema de cuidados de saúde primários que promova a saúde mais do que servir de homocherifado para receituário que engorda laboratórios e deixa milhares de portugueses de bolsos vazios com despesas em medicação e exames.
Quero um planeamento familiar com qualidade e verdadeiramente virado para os utentes, não para os interesses das instituições.



Quero equipas específicas de atendimento a jovens em cada comunidade local, e quero ver as escolas, as associações de pais, os centros de saúde, hospitais de referência, assistência social e parceiros a colaborar para fazer isto funcionar; e que não seja só aqui ou acolá porque há dois ou três carolas que dão o litro para que funcione – quero legislação que faça recolha de situações problema, tenha metas e objectivos, trace estratégias, desenvolva acções, seja avaliada e forneça os meios humanos, económicos e materiais para ser eficaz.



Quero ver equipas de protecção de menores com horários dignos, com especificidade, com critérios e mecanismos de acção claramente definidos e válidos.



Quero ver verbas reais, instituições públicas reais e de qualidade para apoio a mães solteiras… que não sejam os da caridade a fazer o que o estado podia fazer melhor.



Gostava de ver que as pessoas se mobilizam fora dos tempos de referendos com a mesma força que os média lhes impingem sempre que se atira a culpa e a vergonha para homens e mulheres a quem a sorte não sorriu e não apenas nestes momentos nos que canções soam e pessoas famosas vêm dizer palavras bonitas decoradas de livro minutos antes da câmara acender.



Quero que se pare com a farsa, que não me digam que é necessário tudo isto quando defendem o “não” ou o “sim” e depois adormeçam oito anos para voltar com a mesma lenga lenga de ontem para adormecer a gente… já chega!

Depois disto e de muito mais, senhores da política e senhores votantes, depois disto, ai talvez pudéssemos falar de referendos.

Agora, vir de referendo em punho tendo todas estas disciplinas pendentes… ai é muita teimosia e pouca ciência.

Que ganhe a abstenção, para que os senhores de fato e gravata se sintam chumbados e comecem a trabalhar. De outra forma, sentam-se à sombra da bananeira por outros oito ou nove anos até tirar da cartola outro referendo para ocultar a sua inutilidade.

3 comentários:

Micas disse...

Nem mais. Os portugueses no estrangeiro foram excluídos deste referendo por isso nem me devia pronúnciar sobre o assunto. O aborto será sempre um problema de consciência, eu não teria coragem de o fazer por mt má que fosse a minha situação, pelo simples facto de não me achar com o direito de decidir sobre quem deve ou não ter direito à vida, da mesma forma que não julgo nem condeno ninguém que faça um aborto. Acho que o "sim" não vai resolver a situação tal como o "não" não a resolverá. Esta questão não é de todo referendável, julgo eu. Investir na educação sexual nas escolas, investir na relação entre pais e filhos, investir na familia, alterar as leis de adopção, penso que estas são algumas das prioridades. Talvez depois a alteração da lei do aborto fizesse mais sentido, neste momento acredito que não vai alterar em nada a situação. Infelizmente em portugal sempre se optou pelo que é fácil e comôdo...
Beijos

Anónimo disse...

Já está! De qualquer maneira gostei de ler.

Acho que o "sim" não vai resolver a situação, não totalmente.

Dêem educação sexual nas escolas, vão ao Portugal Profundo ensinar às mulheres como se
hão-de proteger.

Votei sim, é o mal menor...

Simbelmune disse...

Eu fiz o que propunha no post. Espero que, agora, não embarquemos na seguinte polémica de moda e esqueçamos que - em 11 de Fevereiro - a nossa consciência, valores e vontade de agir foram postas à prova.
Abraço pelos vossos comentários. No fundo, todos queremos o mesmo.