Saudade…
Das montanhas de Oe-Cusse…
E noite impenetrável – mais uma vez ficamos sem luz.
Fico revoltado, pois a Internet não funciona, minha única ponte de comunicacao com um mundo que me arrepia mas do qual já não me posso separar…
E pensar que antes não tinha luz, nem net, nem telefone e isso nem me chateva nem falta me fazia…
Saudades das gentes simples, com raízes.. raízes que as identificam.
Raízes no trabalho da terra – que as torna independentes de qualquer governo que já tenha passado ou ainda va passar por terras Lorosae…
Raízes na família, que os torna fortes na pertença, no sentido de quem são…
Raízes no passado e tradicao – a sua entidade ancestral que nem o Cristianismo ou colonizacao puderam mudar…
Meus animistas queridos… minhas criancas de gargalhada límpida… minhas gentes de ferro em mão cavando terras impossíveis entre declives de montanha e rocha vulcânica…
Aqui, na cidade, tudo muda…
Gentes cinzentas que roubam o que podem do Malae rico…
Crianças que já não brincam, mas pedem, oferecem segurança aos carros deslumbrantes das Nacoes Unidas, pedem algo para comer…
Os da montanha nunca pediram… eles são fortes na sua consciência de si, os daqui, esses…
Grupos de jovens, vestidos como rebeldes dos subúrbios de um “Bronx” importado em filmes americanos série b, passeiam as ruas da noite, enfrentando-se em rixas sem sentido…
Alguns olham a casa do embaixador Americano, toda iluminada entre o escuro do resto das casas de madeira, bairros de lata diríamos em Portugal…
É mesmo aqui ao lado, logo a seguir a loja de caixões que abre a rua da casa da AMI…
O Malae tem luz na terra onde o Sol Nasce, enquanto o Timorense caminha as escuras no seu próprio solo milenar…
Aqui vejo esse processo de “chuva dissolvente” de quem os xutos dizem que mata a gente…
Minha querida montanha, quanto te sinto em falta…
Minhas queridas crianças e gentes simples e honestas, robustas no seu sentido de si e a sua pertença a terra, tradicao e família…
Meu querido trabalho diário entre Tuberculosos, Leprosos, Sarnosos, Mal Nutridos… tenho saudades, pois esses ainda eram Homens enquanto estes são espectros, imagens do que outrora fora gente…
E repulsa ver o como nos também já fomos assim e – agora…
Agrilhoados ao relógio, ainda que os nossos grilhões sejam de ouro.
Despersonalizados, enclausurados num ego demasiado baco para que através dele possa transparecer o amor mais simples, o sorriso que se da de graça, a palavra que se troca casualmente… era tão bom caminhar nos trilhos da minha montanha…
Onde esta a minha fe?
A partir de agora estará nos poucos cantos do mundo onde as criancas brincam nuas sem vergonha entre trilhos de terra batida. Onde não se pedem prendas e não há brinquedos e o mais simples e o mais verdadeiro se da o tempo todo sem se pedir nada em troca…
Esta onde mulheres de seios descobertos desafiam a castracao moralista e cantam enquanto preparam a comida do dia em casas sem paredes..
Esta onde a morte não existe e ninguém se estranha com a doença, onde não há doença na mente humana e a naturalidade da vida flui sem prejuízos – morte e nascimento, felicidade e sofrimento fazem parte de um circulo vital que ninguém se quer questiona, ou pretende quebrar…
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