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sexta-feira, fevereiro 11, 2005

A perda das raizes...

Vendam um frigorífico ao esquimó!

Vendam o conto do vigário a uma nação, falem-lhes de progresso sem lhes contar que isso é só para alguns (os que contam a história - invariavelmente) e que os outros verão…

…suas irmãs vender o corpo na rua…

…como os seus irmãos serão taxistas sedentos de um turista para carregar ao longo de ruas de cidade submersas no lixo de um lugar que não recolhe, que apenas atira…

…façam com que agricultores comprem parabólicas em vez de sementes, renunciando ás suas raízes pela ilusão do “el dorado” de cidade, onde serão mais um na mansarda sem nome, emprego ou dignidade - longe de quem os fazia ser gente, longe da terra que os alimenta e os torna independentes de políticas que levam os gregários para um ou outro lado -água de pântano rodopiando sobre si mesma até morrer na própria podridão…

…mandem as crianças para os caixotes escolares – longe de tudo, longe de todos - mas todos juntos !…

…digam aos maduros e experientes que já não prestam, que já não servem para nada, que o seu lugar nos conselhos está terminado…

... digam "demo" e esperem que seja crassa a razia!...

…acabem com os chefes de aldeia, gentes de sempre que sempre viveram entre os seus e que os seus conhecem e reconhecem. Tragam juízes endeusados desde países longínquos para julgar o Homem da aldeia segundo livros nunca vistos, por leis nunca reconhecidas, em tribunais longe… muito longe! - tanto que não há bolso na aldeia que lhes possa chegar, muito menos pagar os outros tais – os de pano ao peito de cores engraçadas – que falam como aves de entretimento, mas com suas palavras de vento agradam os desconhecidos de robes negros e com isso compram a sentença que aqui não pertence…

…façam mais importante o ter e o parecer do que o ser e o ser-se mesmo ! - para que todos desejem estar lá em cima e ninguém entenda que – o de cima, é o que mais serve e que – por isso – entende o seu sacrifício pelo bem das suas gentes…

… retirem os reis de entre os Homens, retirem os deuses de entre os reis, retirem os Homens de si mesmos…

…façam gerações de fracos, gerações que nunca trabalharam a terra, que nunca enfrentaram a doença ou morte – olhos nos olhos, sem temor – façam gerações de fracos que tudo temem, gerações que mais não lutem do que em batalhas de intelectualidade abandonadas quando se ocupa o lugar do poder, razão final – afinal - pelo que tanto lutaram…

… terminem com os Homens, inventem planeamentos que gerem crianças à medida… digam ao ignorante - ao que vem para aprender desta vida– que agora ele é o mestre, que agora é ele quem comanda. Digam isto, recostem-se e assistam ao circo!

…retirem todas as próteses, todas as plásticas, todas as maquilhagens e postiços, todas as imposturas e vejam-se ao espelho – Humanidade degenerada de si que apenas agredindo baixo palavras doces vai conseguindo destruir todos os outros espelhos de Humanidade que lhe poderiam ir revelando a monstruosidade da sua própria imagem reflectida…

…até que – um dia sem alvorada – apenas restarão os disformes, os de si mesmos investidos, os perdidos, os cegos que guiam cegos…

…apaguem a História, reescrevam-na a bel prazer, dêem azo aos ávidos de renome para escreverem palavras que ecoem nas mentiras que chamarão “história”, mintam ao Homem sobre as suas verdadeiras origens, limpem da face da terra a sua genealogia e ascendência…

…substituam os Humanos por máquinas, cérebros artificiais de altas velocidades, maravilhas tecnológicas, gigantes de aço que caminham entre semelhantes sem se ver – é isto o que queremos ser ?…

…coloquem luzes verdes para andar, vermelhas para parar… condicionem os passos dos Homens aos ritmos pré-determinados, aos trilhos já trilhados, aos caminhos a que são obrigados…

…digam-lhes que tudo é sabido, que nada é surpreendente, que nada é novo, que não há espaço para a diferença…

…roubem à criança o poder de dizer “não”… ensinem-na a pensar direito e como deve ser, façam com que - aquele que vem para libertar - se aferre aos seus grilhões…

…quebrem o espírito livre dentro de cada casca de Homem, regrem-no, socializem-no, tornem-no aparência…

…roubem a vida à vida, enjaulem a sexualidade, condicionem a sua potência…

…inventem uma batalha sem tréguas contra a Morte e vejam como a própria vida se torna um “Somme”, uma guerra de trincheiras onde o inimigo espreita logo em frente e cada passo se faz à custa de cinco recuos…

…digam que a doença não devia existir, ponham o Homem em guerra com a sua Natureza, com a sua doce mortalidade. Façam de conta que todos viverão para sempre, prometam elixires da juventude, façam tudo para ocultar o óbvio, para que ninguém olhe de frente a sua própria vida pois – ao fazê-lo - invariavelmente verá o anjo libertador esperando no fundo do túnel…

…digam aos Homens para terem medo – medo de não ter, de não ser, de não poder

…mostrem-lhes um mundo de desespero todos os dias; condicionem seu pensamento para a desconfiança, para o ficar no seu canto. Mostrem o que acontece a quem desafia o sistema, exponham diariamente o luxo aqueles que desse sistema são guardiães e façam a campanha da mentira, da competição, da inveja para que outros Homens - dos Homens - queiram ser caciques…

Depois, atirem sobre as crianças crescidas o “não” que lhes roubaram outrora, o poder de decidir o que querem e como o querem… usem o poder de escolher com o que cada um de nós nasce - esse algo que nos foi roubado - contra o próprio Homem, tornem a sua força em seu jugo, o seu irmão em seu carcereiro…

Esquadrões Cinzentos – como os dos campos de concentração – que vendem seus irmãos por uns míseros despojos, por uns privilégios aparentes que apenas lhes roubam a dignidade de viver, lutar e morrer erguidos

E todos sabemos onde estes seres cinzentos habitam… na carcaça de cada Humano que se vende por poder, no cadáver de cada um de nós que se despersonaliza no desejo do ter e do parecer, na podridão dos que pretendem ignorar o seu chamado interior, dos que preferem oprimir e estar por cima do que lutar ombro com ombro com todos aqueles que pisam dia a dia…

5 comentários:

Micas disse...

Não te consigo transmitir todas as emoções que levo daqui. Este teu espaço é mais do que apenas um espaço de partilha. É um serviço público. É um apelo à reflexão para cada um de nós, sempre ocupado com coisas banais sem saber realmente o que se passa nesses locais. Vês cinzas, mas tenho a certeza que dessas cinzas o país vai renascer, forte. Porque há pessoas como tu que dão o corpo e a alma para ajudar nesse renascer das cinzas. Quanto ao teclado, não te preocupes, também tenho esse problema de vez enquanto, o que interessa é o sumo que se leva daqui, quem te lê conhece o problema dos teclados para quem está fora. E por último, quero dar-te um beijo de Parabêns e que a vida te dê sempre tudo do melhor. Um abraço. Fica bem.

Micas disse...

Espero que esteja tudo bem por ai.
Fica bem. Beijo

Micas disse...

Onde é que tu andas??? está tudo bem por aí???

azinheira disse...

A inveja que eu sintoao ler essas palavras, muito em especial no que se refere ao Oé Cusse.
Estive lá em Agosto 2003, 30 anos após ter partido.
Parabéns pelo seu trabalho em prol deste Povo muito especial.
Não consegui perceber se é enfermeiro no Oé Cusse, ou trabalha por todo o país.
um abraço.alfredo azinheira

azinheira disse...

Acrescento mais alguma coisa se ainda estiver pelo O.C., pf contacte-me
alfredoazinheira@hotmail.com, ou no blogue Belenenses Timor.
obrigado
azinheira