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quinta-feira, agosto 17, 2006

Nós desatados


“Um poeta é o ser menos poético que existe, porque não possui nenhuma identidade. Encontra-se constantemente na eminência de se tornar ou ser uma outra personalidade. O sol, a lua, o mar, os homens e as mulheres, todos estes seres submetidos aos seus próprios impulsos, são poéticos e mantêm um atributo qualquer imutável; o poeta não tem nenhum, permanece sem identidade.”

Keats

Quem fará o seu próprio prato? Quem deixará as sobras do que já não pretende? Quantos comem o que está tal como é? Quantos reinventam realidade para que seja ela a ceder a sua dimensão ausente… em vez de serem eles a enfiar seus sonhos num pedaço de forno sem lume que mantém a massa tal como era – à espera – de um algo que nunca se encena, de uma peça sem drama, de um actor sem arte, de uma máscara sem olhar?

Que o cisne caia, que uma mole de asas cortadas e penas e sangue nos abafe quando éramos antes a ave que voava…

Um cisne sem mar próprio com limites nossos – o tal lago onde se passeia com majestosa altivez…

Formas…

Veladas… nadas…

Sweet dreams are made of Tears… who am I to disagree
I’ve travelled the world and the seven seas – everybody is looking for something
Some of them want to use you… some of them want to get used by you
Some of them want to abuse you, some of them want to be abused


Oiço estas linhas na mente… e vagueio…

Os que temem prendem, a mente define

As estações não existem – o homem inventa-as na sua vã glória de mandar, na sua inconsciência… pois não há tal coisa – apenas o olhar da terra sobre si mesma, ao se mutar…

Como obedece a razão ao fragmento? Como se deixa o eterno matar
Num tal cisma, numa tal forma, num tal esquecer - num tal desejar?

Quem sou?

Os que não temem amam… amam tudo – amam todos, por todos se deixam amar…



Quem sou?
Quem queres que eu seja?
Queres que te satisfaça?

O poeta é solitário – todos vêem a vidraça – nunca ninguém entra no salão…
Todos reparam na casa, todos invejam as cores garridas, todos passam… a vida não…

Ser Apolo, ser um raio fugaz…

Mas – para além da parede caiada – haverá alguém que, para além da entrada – se arrisque a mergulhar mais fundo que o salão?

Querem espelhos, querem miragens
Querem poetas de altas paragens…
Querem almas nobres para se ver e rever – querem Narcisos em flores de água
Querem… mas a minha vida não…

E temem – oh tanto! – ficar nus, sem nada
Que de vento – uma rajada – lhes leve o sombreiro de penas e então…
Ficar nus, despidos: sem forças,
Ao se ver - olhos nos olhos - na força da vida,
E se notarem presos do medo, presos - mão em mão…

Para além da miragem… queres ver… consegues ver?

Mentiras são as que mantêm esse mundo a rodar
Mentiras são as que tornam possível andar
Mentiras a meias, mentiras plenas, mentiras veladas, mentiras de ocasião…

Mulheres que amam homens do altar para fora – que alimentam desejos e paixão…
Homens que se convencem de ser mais do que pensam, de ter sentido no trabalho dos dias, de ser grandes por que alguém lhes dá razão…

Passam – todos passam…

Em dois ou três tempos a verdade te apanha – pó és… ao pó voltarás…

Talvez – talvez haja mais…

Mas - o poeta vem e liberta – das cisões, das obrigações, das imposições… das razões…

Polvo seremos… pero polvo enamorado” – rezava uma frase, graffiti num muro branco e triste, verdade escondida num recanto – mas verdade “nontheless”…

O poeta ama hoje, desespera amanhã…
O poeta não deseja o seguro do lar;
O poeta salta abismos inexplorados
O poeta ousa vender a alma ao diabo – para vos mostrar como sente o pobre coitado
O poeta dói, o poeta morre e renasce para que vocês saibam a miragem
De se sentirem aqui e agora – mais nada,
Para além do que possam pensar…

O poeta morre e renasce – para que - além do povo que parte
Se recorde o eco do coração




O poeta chora e treme:
Palhaço bizarro que geme,
Para logo subir e cantar
Entre as alturas de pasto, rebanhos de flocos algodoados
Onde apenas a brisa sopra sem pressa
Onde o mundo passa sem relógio
Onde tudo é nada e nada importa
Onde tudo é tudo - sem mais causa ou razão

E – para além das esferas cinzentas
Dos medos ocos, dos ecos sombrios
Passa o tempo a fazer que dorme
Passa o sono a sonhar devagar
Para despertar como semente no estio
Como brasa que soprada se inflama
Como ave renascida de entre o pó e a lama
Onde se vendem asas por vestes douradas
Onde pintamos a cara para não berrar
Com a beleza sagrada que se assoma e se esmaga
Do pequeno ser vivo que pensa e não dá…

2 comentários:

Micas disse...

Depois de te ler, estes 2 poemas da Florbela Espanca não me sairam do pensamento;

"Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!

Eu ...
Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho,e desta sorte
Sou a crucificada ...
a dolorida ...

É ter de mil desejos o esplendor E não saber sequer que se deseja! É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!

Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...

É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...

É condensar o mundo num só grito!"

Tudo isto a um tempo sem Tempo, porque o Tempo não tem importãncia se os sentires forem intemporais...

Abraço :)

Simbelmune disse...

lindo!