PrioRaridades
Agora corro – com o meu GPS – pelo meio de uma avenida… fascino-me vendo os números das casas passar, as descrições das ruas, até as curvas precocemente desenvolvidas no ecrã virtual… enquanto a minha vista se afasta do negro asfalto e se concentra cada vez mais no aparelho atractivo…
Cores garridas, vozes sensuais e muito mais me atraem para um outro mundo, que reflecte a “realidade” – tal qual – alguém viu e esboçou num ecrã de vidro artificial que responde ao meu tacto de uma forma personalizada…
Nem a pele da pessoa amada responderá assim, nem a sua voz será tão sensual, nem as cores desta rua serão tão garridas ou a sequência das curvas da estrada tão ondulante - harmoniosamente definida; nem os tempos assim tão perfeitamente pautados…
“É isto que eu quero!” Diz a voz interior, seduzida pelo factor ficção.
De repente, o carro esbarra numa berma…
Uma rotunda apareceu no local onde – no ecrã - estava um simples cruzamento contínuo.
Afinal sempre existia uma “realidade”, onde os profetas dos novos tempos anunciavam o vazio recriável pelo ecrã GPS…
Mensagem piscando em aparelho GPS:
“Assinalar alteração de rota?”…
Enquanto a letra virtual pisca, algo acontece além do vidro pára-brisas: uma velhinha olha placidamente o carro, enquanto passa - na sua velocidade própria - para o outro lado da rua …
As pessoas ainda não aparecem nos aparelhos eléctricos… ou será que já lá estão à muito colocadas entre a programação virtual, e – simplesmente – o nosso “software” ainda não as tinha detectado?
No fundo – à que ser “hard” para enfrentar estes tempos “soft” – nos que a dor da perda, da distância e a crónica dor subtil do dia a dia que se esvai – se vão sobrepondo à voz levantada e a estalada dada no tempo recorde, que caracterizaram a cultura do século anterior.
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