Ela tinha prometido apresentar uma das netas… conversas casuais nas salas de tratamentos… uma entre centenas de pernas cansadas com marcas de veias inchadas rebentando pela idade…
Pensava nas perguntas que respondera momentos antes de entrar na sala de tratamentos – o tema roda à volta de quando vou ter filhos (“Não posso – a ciência não chegou lá ainda anjo” - a piada de costume para fugir a um tema não muito agradável para mim)…”Você não, a sua mulher!” (Não sou casado)… "E quando vai casar?" (Não tenho com quem)… “Ai não acredito – tão simpático e jeitosinho.. olhe tantos que prai andam sem jeito e tantas mulheres por ai tão mal”… (Pois…)
Este costuma ser o ciclo de conversas em roda da vida, sempre que pego nalgum bebé ou brinco com alguma criança no corredor… não me apetece entrar muito em detalhes acerca da minha consciência recém adquirida sobre a possibilidade de o casamento (como os sacerdócios e essas tretas) serem algo vocacional e não apenas um conceito meramente estatístico ou maneirismo mental (macho, fêmea iguala produção de vida conjunta – veja-se macho ou fêmea conforme se quiser interpretar – e criancinhas para animar a festa – como as velas sobre o bolo de chocolates variados).
Desta vez veio o marido.
Ele é um ano mais velho que ela… mas parece uns quinze anos mais novo.
“Então e a neta?”… pergunto para o típico diálogo cândido que derreta o estéril e vazio quadrado da sala de tratamentos…”Não veio”… diz ela com o olhar engraçado em contraste com a postura centrada do “respectivo”… “Bem – e fotos, trouxe?”… “Não que têm namorado”… diz ela em meio sorriso maroto…”Ah! Bem, assim então já não quero… e não há nenhuma que esteja livre?”… vou cortando a ligadura debaixo do olhar supervisor dele…”Há uma há… mas…”… ele entra no baile de coisas já não sérias: “Não é para si que você já tem ocupação”… demoro uns momentos a compreender – horas da manhã são mesmo lerdas… “He, he – não ando por ai”… “O senhor não é casado?”… (lá voltamos ao mesmo)…
Ele abre-se…
“Pois olhe – no meu tempo – até me pagavam…”; ela ri-se…
“Você está a ouvir o que ele está a dizer?”…
“É verdade… ele sempre foi assim”…
“Eu era fodido quando era novo”
Eu fico meio “abananado”… sempre é verdade, não está a brincar…
À medida que esta “confissão com humor” se desenrola com o realizar do penso, vou-me fascinando e seduzindo no à vontade e singeleza dela, no ar despreocupado, orgulhoso e livre mas igual a si mesmo do tom dele – entramos num corolário de aventuras e peripécias enquanto casados e ela vai rindo com o olhar enquanto um carinho profundo se nota muito mais forte do que qualquer coisa que se pudesse esperar…expectativas aqui não ofuscaram um caminho a dois com mais de quarenta anos… agora à separações pelo rolo de papel gasto que não vai pró caixote do lixo… confuso...
“E – a sorte dela é que tem bom pensar…”
“Ela deve ser é muito sua amiga…”
Ele não deixa escapar nada – desde a Índia até às notas de cinco contos na lapela, depois de ele sair da casa de uma amante… ela complementa – que a outra, sendo casada - ainda lhe dava a ela atum e legumes…
“Mas – que tem ele assim de especial?” pergunto … ela responde descontraída: “Nada, nunca lhe notei nada de mais, mas é assim olhe”…” Bolas – para ser assim tão concorrido devia ter qualquer coisa – não?”… o penso já está coberto, falta o adesivo…
“À volta de casa tinha três… e o resto…”, diz ela – sem pena nem agravo.
“Olhe lá – e você, nunca…?” … ele olha de soslaio, procurando manter seriedade, ela responde: “Eu? Oh, eu tinha os filhos” (foram nove – ou seja, sempre ocupada… e bem, pelo que diz).
Saem satisfeitos – ele diz que lhe vai fazer um bolo, e que vai meter muita chouriça… hoje ela faz setenta.
Rimo-nos todos enquanto abro a porta da sala.
Seco as mãos ainda a rir-me… caramba, ainda diziam que isto das relações abertas pertence aos tempos modernos… e estes nunca fizeram terapia de casal… bolas!
8 comentários:
Ainda existem homens k pensam k a masculinidade é porporcional á quantidade de mulheres k seduzem...E continua a haver mulheres submissas que pensam k o seu dever como esposas é parir e "servir" o marido.Na semana passada visitei um casal de idosos, ele acamado,e a esposa dizia k se fosse hoje n casava..O marido tinha-lhe posto os "palitos" varias vezes...:)*
Este é um assunto que dá pano para mangas. Pode ser interpretado de várias vertentes. Hoje em dia penso que a história se invertiu, porque existe uma carreira, porque existem infantários e creches os os filhos são "despejados", etc, etc, nem quero aprofundar mt mais, porque embora sendo mulher, me irrita um certo numero de coisas. Hoje em dia as pessoas casam porque é giro fazer uma grande festa, ter uma lua de mel nas caraíbas. Onde ficou o valor do casamento?? que importancia tem o acompanhamento dos filhos? porque impera o egoísmo e a ostenção? porque é que as pessoas são tão hipocritas?
Se eu tivesse seguido o que para os outros seria o normal, teria tido uma grande festa, cheia de glamour e brilhantes com passagem de borla para um divorcio anunciado. Lutei, não tive festa nem aprovação de ninguém, não fui para as caraíbas mas hoje, ao fim de quase 11 anos, continuamos em lua de mel, ainda que com altos e baixos, mas somos dois que se complementam em um. Tu sabes a historia talvez possas avaliar. Qt aos casamentos para a vida do "antigamente" ainda recente, não creio que os homens fossem todos iguais mas acredito que grande parte deles agia assim por imposição de uma sociedade mal formada.
A tua história é linda - eu sempre penso que é como um conto de embalar no mundo real. Esta visão dos "Tratamentos" - para além do duplo sentido do título - era mesmo para promover algo de introspecção sobre o valor das relações, casamentos e filhos e quanto os julgamentos "modernos" podem estar certos ou errados com base nas relações que criamos sobre eles... o casal era um casal lindo - independentemente da versão da história que escolhermos ver... nesse dia rimos imenso os três
"O mundo não nasce das palavras
mas de dois seres abraçados
um rindo outro chorando"
n me lembro o autor
sobre a história do amor maternal li 3 livros muito interessantes mesmo para quem não tem filhos :)
Um amor Conquistado: O Mito do Amor Materno
Elizabeth Badinter
O amor incerto-história do amor maternal(do séc.XVIIao séc.XX
Elizabeth Badinter
"la révolucion maternelle"- histoire des méres et de la maternité en occident
Yvone Knibiehler
sobre a familia no Alto Minho:
filhos de Adão, filhos de Eva -Pina Cabral
e um livro já "velhinho": a 3ª vaga - A. Toffler
fala sobre as familias do "futuro"
NINGUEM AMA SÓ UMA PESSOA.. MAS SEXO É DIFERENTE DE AMOR...AXO EU...EXISTE TB UM SENTIMENTO CHAMADO LEALDADE QUE MUITA GENTE NÃO CONHEÇE....
Tudo depende do contexto do casal.
O ponto deste post roda em volta de não haver regras fixas sobre como dois seres humanos podem amar e como podem criar felicidade e verdade entre eles… suponho que cada duas pessoas (ou mais, não me parece que haja restrições no amor – apenas na mente) criam um mundo de acordo com o seu ser. Temos posteriormente o conflito com os ideais vigentes na sociedade em questão e com aqueles que – não vivendo o amor – persistem em querer ditar por que meios, de que forma e através de que critérios este se deve reger - baseados num qualquer livro de verdades que não se conhece.
O sentir daqueles dois seres humanos era de estima e compreensão. Estavam muito além dos meus juízos pelo tempo de vida em comum (muito mais do que o meu tempo de vida), pelos frutos (ambos sorriam e havia aconchego) e pelo efeito (deixaram-me positivamente surpreendido e bem disposto).
Dois seres humanos que aceitaram os condicionalismos próprios e do outro e construíram algo para além das correntes em voga no tempo que vivemos. Mais do que estar certo ou errado, estão eles.
Isso conta.
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