"Vós sois o sal da terra! Ora, se o sal se corromper, com que se há-de salgar? Não serve para mais nada, senão para ser lançado fora e ser pisado pelos homens.
Vós sois a luz do mundo: Não se pode esconder uma cidade situada sobre um monte; nem se acende a candeia para a colocar debaixo do alqueire, mas sim em cima do velador, e assim alumia a todos os que estão em casa. Brilhe a vossa luz diante dos homens…" - Sermão da Montanha segundo Mateus
“Senhor Enfermeiro”… nunca lhe ganhei grande estima ao título, não me sinto apegado a ele, preferia as pessoas…
De cartão ao peito – com o meu nome cerceado – primeiro e último apenas… mas, temos tantos nomes… temos diminutivos para quem nos quer bem (Dani suponho) e temos reducionismos para os que nos querem minimizar (… zinho), temos o da tropa (Pinto, I guess), temos o das autoridades (Sr. Daniel), temos o dos que desprezam (Oh Pá! Deve ser), temos o profissional (Daniel Pinto no caso) – devemos ter mais.
Nome em último, neste cartão - “marca dos ferros” em gado socializado – primeiro aparece um cunho de propriedade: uma figura estilizada de verde e vermelho (já se esqueceriam do sangue e da liberdade que as cores implicavam?); depois um cargo (ou função neste caso – Enfermeiro); uma foto de quando ainda acreditava nesta coisa toda e – por detrás… sempre por detrás e em letra miudinha - os “deve” que o tal implica…
Um cartão de Ordem…
Uma assinatura mensal na revista das novidades baças, uma quota-parte de responsabilidade nos nadas que são tudo na vida desse colectivo.
Mereceriam Mateus, 23 – com todo o peso, justeza e medida…
Um diploma…
Que me habilitou a prestar cuidados de Enfermagem geral…
Uns anos a sofrer o processo de transformar um leigo num iniciado dos meandros do ser (se) humano em toda a sua enorme pequenez e enlevada profundidade.
Um especialista de substituição de mãos que cuidem… pois agora só há mãos que trabalhem…
O amor à “camisola” (neste caso à bata)…
Que nos leva a cerrar fileiras contra o estado, os médicos, os familiares, as condições, a não dignificação, a falta de estatuto… com um pouco de sorte também contra os administrativos, os auxiliares e os próprios doentes que são mais rezingões e exigentes do que o costumeiro cordeiro de matadouro que não dá muito de sí… se tivesse tirado outro curso lutaria no outro bando, talvez…
As competências técnicas, científicas… humanas;
Talvez… se por isto entender a capacidade de um ser humano no seu todo, de abrir espaço entre o vazio e construir bem estar…para si e para os outros…
Mais do que um operário “high tech”, uma ferramenta plena de recursos estratégicos e de conhecimentos transbordantes, com sede de saber imparável e dinamismo desenfreado – eu creio em humanidade…
Pode parecer simples de mais – mas creio ser a chave que abre a essência do que vejo… humanidade.
Cuidar…
“Dar Atenção” – hoje é mais fácil de definir pela negativa, pela sua falta…
Para que isto de cuidar aconteça – quem cuida deveria, primeiro – ser capaz de cuidar de si mas...
Horários de loucos, horas extras por tabela e cifrão, cada vez mais louca a sua quantidade - abraçada por ambos: os que as cumprem e os que as exigem.
Tempo reduzido a sobras…
Desígnios de cuidar ditados por orçamentistas, cuidadores de estatísticas, operários de cadeias de montagem em série onde tudo vale para cumprir os objectivos da produção estipulados para o mês… o ano…
Seria tão simples… como ter tempo...
Tão directo como olhar nos olhos e sentir compaixão… com paixão… de se ver do outro lado do espelho e de se sentir dorido…
Tão fácil como tocar, sorrir, confortar… tão franco como ser-se igual a si mesmo…
Tão honesto como servir, tão alto como ser-se para outro tanto como para si mesmo…
Hoje lamento vender tudo isto.
Hoje choro ser maquina, dar apenas uma ou outra vez das muitíssimas vezes que podia ter dado…
Hoje lamento cada desculpa, cada contornar das falhas – de materiais, de pessoal, de paciência – com silêncios…
Hoje estou de luto por todos os momentos de vida mortos no turbilhão das estatísticas, das políticas, dos cifrões, das massas inertes que fazem - do número de consultas - uma melhoria da saúde…
Até quando… até onde?
Já vendemos o cuidar – tanto e tantas vezes – que são os próprios carentes que se viciaram em o comprar… e funciona!
Os bancos inventam seguros de saúde e nós sentimos que somos melhores, que tudo vai bem!
Alguém ganhará com isso - de certo que sim… mas nós perdemos todos.
Se necessitamos pagar para ter humanidade – vamos todos à prostituta, fora de horas, e paguemos o que não podemos ter de graça… humanidade.
Dito isto – obrigado por todos os que não permitem que haja condições, por não quererem ou não quererem saber…
Obrigado por todos os que sabem que o sistema público deve falhar para que entremos na Europa por direito – como modelo de país industrializado e moderno, a imagem dos outros tantos que conhecemos - livre comércio de tudo e de todos…
Obrigado por todas as empreitadas que permitem o crescimento empresarial com base nos despojos alheios…
Obrigado por todos os que se esqueceram da sua imagem ao espelho de tanto serem chamados Sr. Enfermeiro… terminamos mesmo crendo que somos alguém.
Obrigado… a tudo isto… para sobreviver na selva social.
Nota:
Só para lembrar o que anda esquecido…
“(1820 -1910) Florence Nightingale é considerada a fundadora da enfermagem moderna.
A sua família considerava a enfermagem algo inapropriado para uma dama de boa estirpe, por isso, começou seus estudos após os 31 anos, num curso na Alemanha.
Na Inglaterra, Florence abriu o primeiro curso de treino em Enfermagem, em 1860.
Florence não conhecia o conceito de contato por microorganismos, uma vez que este ainda não tinha sido descoberto, porém já acreditava em um meticuloso cuidado quanto à limpeza do ambiente e pessoal, ar fresco e boa iluminação, calor adequado, boa nutrição e repouso, com manutenção do vigor do paciente para a cura.
Ao longo de toda a Guerra da Criméia, Florence conseguiu reduzir as taxas de mortalidade entre os soldados britânicos, através de seus esforços como enfermeira e, provando a eficiência das enfermeiras treinadas para a recuperação da saúde.
Até o momento, só homens e mulheres religiosos podiam cuidar dos soldados no exército.
Nas suas escolas,Florence baseava sua filosofia em quatro idéias-chave:
1.O dinheiro público deveria manter o treino de enfermeiras e este, deveria ser considerado tão importante quanto qualquer outra forma de ensino.
2.Deveria existir uma estreita associação entre hospitais e escolas de treino em enfermagem, sem estas dependerem financeira e administrativamente.
3.O ensino de enfermagem deveria ser feito por enfermeiras profissionais, e não por qualquer pessoa não envolvida com a enfermagem.
4.Deveria ser oferecida às estudantes, durante todo o período de treino, residência com ambiente confortável e agradável, próximo ao local.
As primeiras escolas de treino Nightingale ministravam cursos de 1 ano, que, com o tempo, passaram a ser de 2 anos.
Florence deu origem às prescrições médicas por escrito e, também, exigia que suas enfermeiras acompanhassem os médicos em suas visitas aos pacientes "para prevenirem erros, diretivas mal compreendidas e instruções esquecidas ou ignoradas" (Palmer,1983 apud Atkinson).
A seu ver, para a melhoria do estado de saúde do país, o ensino da Enfermagem era uma grande responsabilidade das enfermeiras. Preconizava a ideia de que a saúde era não apenas estar bem, mas ser capaz de usar toda a nossa capacidade.
Florence julgava que o propósito da enfermagem era"colocar-nos na melhor condição possível para que a natureza possa restaurar ou preservar a saúde, prevenir ou curar as doenças"(Palmer,1983 apud Atkinson).
(lamparina de Florence)
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