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segunda-feira, fevereiro 08, 2010

Dos Tempos

Contra o herói solitário, que combate tudo e todos com a sua vontade indómita, ergue-se o vazio do final do caminho uma vez as trombetas em crescendo deixam de ecoar na sala de cinema da vida.

Sem maior satisfação do que os limites quebrados e um tirano destruído para que outro se erga em seu lugar.

Esquece-se a força de uma mão estendida, o sorriso cúmplice de quem sabe que pode confiar.

Nesta época apela-se ao individualismo; à persecução de quimeras através da força de vontade de um homem ou mulher de coragem – que arrasta as multidões e as inspira.

É esta a mensagem que a minoria silenciosa pretende impor à maioria – para que comprem a ideia de que sós conseguem os seus fins e abandonem a protecção da sua força enquanto grupo; que as ligações que os fazem fortes se transformem em cadeias para que sós possam mais fácilmente ser predados pela máquina.

Neste época é fácil fazer esquecer que a força humana é a força das mãos unidas.

Nesta época é conveniente que as pessoas creiam que – competindo – se fazem mais fortes… e se esqueçam que a força do que se encontra no topo da pirâmide radica nos ombros de todos aqueles abaixo; que o sofrimento que causo ou vivencio – como o calor que emano – transpira para todos aqueles que se encontram em redor… somos um, só a ilusão não nos deixa compreender.

Se piso ou me deixo pisar a dor emanada alimenta a loucura colectiva e o círculo vicioso torna-se mais forte.

O ar que respiro é o ar que respiras, as emoções que emanas são as que recebo, os padrões alfa do teu cérebro pensante atravessam o meu córtex da mesma forma que as emanações electromagnéticas dos telemóveis reescrevem a harmonia das minhas células, com impulsos e pulsões…

Nesta teia de barulho não nos precatamos já da ausência de silêncio… para pensar claramente, para sentir amenamente, para agir com serenidade…

Com o acelerador a fundo e todos com medo, já quase não se age coerentemente. A compulsão leva-nos a esquecer o essencial e o tempo de que dispomos esvai-se entre milhares de actividades alinhadas atrás umas das outras.

Perde-se o sentido de profundidade - do tempo e da vida - uma vez que as actividades, os programas, as sequências do filme orbitam de forma acelerada sem que haja um plano único que seja coerente com a visão da realidade tal como a vivemos.

Dissociar a realidade gera o estilhaçar da lente que observa o mundo…

Não sabemos quem lucra com tudo isto, quem acelera os ponteiros, mas todos somos responsáveis uma vez aceleramos o nosso passo para nos aproximar da imagem proposta à maioria.

Como se uma nuvem avermelhada, uma fuligem de vida gasta (e perniciosa), fosse envolvendo a nossa radiante e cristalina pureza até que umas comichões estranhas, umas reacções impulsivas, umas atitudes de sobrevivência animal fossem se insinuando entre as actividades outrora gentis.
Perde-se a inocência, ganha-se em poder.

Alucinados pela enebriante sensação de omnipotência, ébrios desta lama que se vai espalhando pegajosa, lançamo-nos a desafiar os nossos limites sem compreender que as linhas que vamos reconstruindo eram a final a filigrana que compunha a melodia harmoniosa da nossa existência.

Agora soprem os acordes triunfais dos tambores anunciando os novos tempos.

1 comentário:

Xandra disse...

Estamos todos sozinhos mas juntos no mesmo "barco".
Beijo Daniel e parabéns atrazados...