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quinta-feira, maio 14, 2009

Saudades...

Ainda anteontem estava a ver uma médica a trabalhar, enquanto esperava no gabinete por um qualquer papel que facilitasse a vida de algum utente meio perdido entre horas e obrigações.

Conheço esta profissional faz alguns anos; sei que é humana e muito carinhosa com os seus pacientes. O tom de voz era o mesmo, a tentativa de entrar em contacto com o utente era a mesma… usando o mesmo timbre maternal lá ia teclando, conferindo no monitor se a informação estava correcta…

“Agora vai levar estes dona Emengarda, sim?” e lá ia fazendo um monolooongo, falando para o seu ecrã de computador; impressora vomitando papéis com códigos de barras, enquanto a senhora idosa olhava com cara meio estranhada para a profissional que escrevia e escrevia no seu teclado, caçando de vez em quando ícones na tela iluminada com o rato de mesa…

Será necessário pensar que talvez seja imperativo o ser licenciado em dactilografia, doutorado em funcionamento de impressoras e manutenção de “hardware” ou mestre em programas de suporte à prática dos cuidados para ser bom profissional...

Saudades…

Do tempo no que a consulta era simples… duas pessoas – ou mais – cara a cara, duas realidades que se entrecruzam, dois mundos que se entremeiam e dos quais nasce um mundo novo… era o "relacionamento empático" que promovem os cuidados de saúde primários; tempo para ver, ser e ouvir sem mais delongas ou impedimentos do que aqueles pautados pelo senso comum. Ouvíamos histórias de vida e família, pegava-se em bebés ao colo ou conversava-se com crianças que vimos crescer desde o momento no que entraram na vontade de seus pais.

Crescíamos nós como profissionais e expandíamos o ser como pessoas…

Chegaram os cálculos de materiais, os cálculos de rácios, as estatísticas médias em termos de tempo de atendimento, tipo de cuidados prestados… enfim, o relacionamento terapêutico começou a obedecer mais aos números do que às humanas condições e a pessoa ficou obstruída pelos cifrões…

É dado assumido que estamos em época de crise (de valores talvez?!?) e que impera a lei do “vale tudo” para os funcionários: que o “carcanhol” é contado ao cêntimo, os lugares de trabalho calculados por rácio e os atendimentos pautados ao minuto.

Mas, no meio da guerra de trincheiras de lutas de classe, de lutas entre classes, de guerras sem classe… serão os utentes beneficiados com tudo isto?

1 comentário:

Micas disse...

Olá Daniel, só uma pessoa de grande sensibilidade é capaz de
(d)escrever vida como tu o fazes. Venho sempre aqui ler-te, nunca deixo comentário porque fico sempre muito tocada com a tua sensibilidade e integridade. Obrigada pelo "Ser" bonito que és, obrigada pelos momentos de reflexão que me proporcionas, obrigada pela tua partilha.
Obrigada também pelas tuas visitas lá a "Casa" que também é tua.
Um abraço de uma minhota saudosa mas que tem a sorte de ter um minhoto que lhe vai enviando brisas do mar para apaziguar a saudade. Bem Haja
Um sorriso cheio de sol desde a Germãnia até ao minho bem alto :)