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segunda-feira, janeiro 09, 2006
The Constant Gardner
The Constant Gardner
Vi agora este filme “O Fiel Jardineiro”.
O realizador – Meirelles – dá uma imagem que não deixa em nada atrás a sua anterior “Cidade de Deus”.
http://www.apple.com/trailers/focus_features/the_constant_gardener.html
A mim – particularmente – tocou-me.
Toca-me por estar dentro do “sistema” de saúde – sobretudo daquele que nos tem invadido desde a adesão europeia e que se predestina como uma cópia modelada do liberal americano; toca-me por já ter estado ligado a uma dita “ONG” em serviço num “país em vias de desenvolvimento” (nova taxionomia do termo antigo “País de Terceiro Mundo”).
O primeiro – o sistema de saúde – seria melhor chamado de “Sistema de Doença”.
Meus caros – funciona – e, porque funciona, bancos (cada entidade bancária é dona do seu sistema privatizado de saúde – “Medis” e Ca limitada) e empresas o tornam negócio e a põem a render.
Funciona porque dá lucro – e o que dá lucro não é a saúde mas sim a doença…
É doentio – mas certo – as empreitadas particulares atingiram escalas completamente descabidas.
Desde o retalhista particular que vende enfermagem ou medicina porta a porta (mas o não faz – regra geral – no serviço público), farmácia e afins – até às empreitadas de cooperativa ou os “holding” locais e as todo-poderosas multinacionais.
Nesta anedota do humor mais negro, os valores (sim – os tais Hipócrates e Nightingales e seus respectivos juramentos que mais ninguém recorda a não ser para o dia da nomeação em cerimónia a condizer) foram pelo cano do poder económico.
Hoje na saúde – não dou o melhor – dou o mais equilibrado a olhos de um economista (gestor – ainda que seja amador, como permitiram os decretos de lei bizarros que deixaram áreas como a gestão de equipas de Enfermagem em centros de saúde ou a grande escala em unidades hospitalares a leigos que fossem do gosto dos órgãos de planificação politicamente instituídos – veja-se exemplo do antigo CHAM de Viana do Castelo ou de alguns Centros de Saúde da mesma zona entre outros).
Hoje dou 3 preservativos x semana x utente em planeamento familiar…
Dou injecções intradérmicas (sim – os BCGs ao vossos recém nascidos) com agulhas sub-cutâneas…
Dou injecções intramusculares com calibre de 8x40 e 9x40 porque não há de 7x40 (que são muito mais finas – mas suponho que o traseiro das públicas deve ser mais resistente que o das privadas – onde se cobra o material e a mão de obra – como se estivéssemos na oficina de montagem de um qualquer mecânico)…
Chego ao cúmulo de necessitar preencher um requerimento (uma folha de papel) para ter uma folha de papel…
Vocês, da zona de Viana do Castelo, que têm o novo esquema de vacinação, vão levar os vossos bebés a uma sessão de tortura por agulha. Isto porque – ao contrário do preconizado – não houve distribuição de vacinas “penta” (Com, hemophilus, Difteria “a”, Tosse Convulsa, Tetânica, Polio inactivada) e – assim – vamos dar 3-4 injecções a distribuir pelas coxas de bebés de 2 a 6 meses…
A opção “económica” deixou a “penta” de fora…
E – o mais curioso – é que, as tais “ordens”, para além de contribuírem para a soberba de quem já é dr (com letra piquinina – mas dr carago!) nem se manifestam.
Quando é suposto – caso da ordem à que pertenço – zelarem pela qualidade dos cuidados de Enfermagem prestados… enfim.
O que me pedem – não é a qualidade do atendimento (ninguém vê o que escrevo nos registos, nem se tenho tempo para o fazer). O que conta são os tracinhos (sim – aqui, cada atendimento corresponde a um tracinho numa folha – como na mercearia) que é o que vai para os organismos centrais.
Esta é uma saúde de tracinhos para pauzinhos…
Isto uma pequena amostra da anedota que – actualmente – é o tal ideal da saúde.
A nível internacional - a letra muda – a música é amesma...
Tal como uma das personagens do filme aponta – todos: multinacionais (são as que “cedem” medicação e equipamentos e realizam investigação no terreno), governos (matérias primas, controle geo-estratégico, aculturação) e ONGs (idem ao anterior pois -se virem os financiadores de projectos nas tais “Organizações Não Governamentais” vão ver – no caso português em Timor – o IPAD (Instituto Português de Ajuda ao Desenvolvimento – vulgo Ministério dos NEGÓCIOS Estrangeiros Português), a ECHO (a Organização Humanitária da Comissão Europeia) e mesmo a USAID (Prima das duas anteriores mas do ministério dos nossos amigos dos States).
Meus caros – os projectos são planificados em mesa de capital europeia, ou americana – à rebeldia muitas das vezes dos próprios governos locais e das equipas no terreno.
Temos o caso dos tais jipes UN que passeiam por entre as barracas de Timor, as festas nas casas privadas (casarões se comparados aos de lá e aos de cá) dos elementos de staff local, os salários da plebe das UN e da maioria das ONGs (que – de voluntários não temos nada – pois recebemos salários e ajudas de custo no terreno – no caso das UN – um mínimo de 2500 $US per capita…).
Temos o uso e abuso de causas locais (como foi o celeuma da educação moral em Timor e a sua evolução para tentativa de deposição de governo – lembrem que, governo de esquerda declarada, não é benéfico a olhos de republicanos de ultra mar – sobretudo se querem instalar lá bases militares e os tais “timorensezinhos” – afinal – têm mais bolas do que outras nações “world wide” que se abriram de pernas há muito e venderam pedaços de terreno para estarem protegidos do lobo mau… hoje não há lobo mau, mas as bases lá permanecem).
Temos as jantaradas no hotel de 5 *, as compras em supermercados australianos (que Timorense só pisa se lá trabalha), os carros de importação com preço de bujiganga para expatriados com 3 anos de escola… vidinha dura – mas não a nossa…
Os tais medicamentos de primeira linha que são vertidos como água e que abrem as portas a que – quando a comercialização lá se abater – sejam os de 3ª ou 4ª geração que tenham de ser comprados pelo governo (se algum dia tiver fundos próprios para além das esmolas do petróleo que os Australianos e Japoneses lhes possam ir dando).
Não é necessário ir tão longe como a experimentação de medicação em seres humanos de 2ª a olhos das nações ditas “desenvolvidas”.
Temos casos bem mais óbvios e tolerados nas nossas relações laborais - estilo empresarial - actuais… quem não encolhe as orelhas face a um contrato precário e faz o que os “boss” mandam ainda que vá contra a sua dignidade profissional ou mesmo pessoal?...
Mas – se querem encontrar os responsáveis – há uma técnica infalível, a saber:
Apaguem as luzes e vão até ao quarto. Façam isto à noite…
Procurem o maior espelho que tiverem lá… e coloquem-se na sua frente.
Tenham um candeeiro à mão…
Agora – meditem…
Quando compro a gasolina para o meu carro – quantas guerras por petróleo paguei?...
Quando calo ao me roubarem os meus direitos civis (a minha educação, saúde e justiça – em igualdade de circunstâncias – e gratuita)…
Quando dou o meu poder de decisão a um papel que – me empurra – a escolher entre 5 ou 6 produtos de campanha eleitoral e máquina partidária – mas que, nem falam a mesma linguagem que eu, nem passam as mesmas dificuldades a fim de mês, nem vivem como o tal povo que dizem representar – a culpa é deles?...
Quando os produtos vêem parar a minha casa, a minha dispensa, ao meu armário – penso nas vidas de quem as produziu, de quem as elaborou?...
Na qualidade de vida que têm os que produzem materiais a preço de nada, nas matérias-primas retiradas dos países de origem a troco de contas de vidro ou cargos de governo?...
Quando compro um bilhete de cinema para um block buster de tantos “0” que até nem conto, ou quando compro bilhete de bancada num jogo onde o tal Mourinho recebe – num mês - mais que qualquer homem ou mulher de classe média numa vida (sem contar direitos de imagem e afins)…
Quando o tal governo escolhido à força de não haver mais nada, vai para guerras fantasma contra países que nunca nos fizeram nada (ir para a guerra não é só mandar gente com armas – mas apoiar quem as manda) e mostra sem pudor – as lajes de terras de Lusíadas compradas a preço de dólar – enfeitadas para a palhaçada internacional…
Ao fim destas perguntas – e mais algumas que lhe possam aparecer enquanto se responde – pense se tem a coragem de acender a luz…
Ao contrário do que possa parecer – eu não tenho dúvidas.
A responsabilidade de coisas como as do filme – não vem dos políticos, das multinacionais, dos sistemas de saúde, da liberalização, da cultura global, dos média sensacionalistas, das novelas, dos jogos de computador, dos filmes de holliwood, dos shopping center ou outras formas de anestesiar a consciência de responsabilidade que possamos ter…
Não dá para apontar o dedo sem encontrar um telhado de vidro – nos exemplos acima referidos sou eu quem recebe a pedrada, não os outros. É o meu silêncio que grita…
Baixo múltiplas desculpas, temos escondido a falta de razão para não fazermos nada.
Acende a luz – olha-te no espelho.
A responsabilidade – é minha, é tua…
Vou, vais fazer algo?
Ou vou – vais - continuar a ver filmes e a apontar desculpas mais do que a ter uma razão?...
Esta é a pergunta que me faço e que optei por partilhar com quem quiser ler…
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